O Brasil poderá atuar como mediador para a saída do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, estabelecendo conversas sigilosas com autoridades do regime, segundo sugeriu Hamilton Mourão, general aposentado que é vice-presidente do Brasil.
“Nós não hesitamos em buscar um canal de diálogo com Maduro, para que alguém lhe diga: ‘Meu amigo, chegou a hora’. Mas não temos esses canais abertos ainda”, disse ao “Financial Times” o general Mourão, uma das figuras mais poderosas do gabinete do presidente Jair Bolsonaro em Brasília, especialmente em relação à política externa.
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Juan Guaidó, o presidente do Congresso venezuelano, de 35 anos, declarouse líder interino do país arrasado pela crise no mês passado, com o apoio de Estados Unidos, Brasil e dezenas de outros países. Ele esteve recentemente em Brasília para angariar mais apoio.
“A política do Brasil no que se refere à Venezuela é muito clara: o Brasil não reconhece a legitimidade do governo Maduro, reconhece Guaidó” como presidente legítimo do país, disse Mourão.
O general afirmou que seu governo está disposto a iniciar negociações com militares de alto escalão na Venezuela para ajudar a causa de Guaidó, conter a entrada de migrantes venezuelanos no Brasil e evitar mais instabilidade em sua fronteira norte.
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“A pressão política existe”, disse ele. Mas advertiu que o Brasil não pode fazer muito em termos de “pressão econômica”, pois as autoridades venezuelanas que cometeram crimes “não têm seus ativos lá”. Maduro está sendo mantido pelo constante apoio de parte dos militares venezuelanos com o suposto envolvimento da inteligência de Cuba e a proteção nas ruas de milícias armadas, segundo Mourão.
O general conhece bem os militares da Venezuela, depois de um período de dois anos como adido militar do Brasil em Caracas durante a tentativa de golpe contra Hugo Chávez em 2002 .”Eu vi o começo disso tudo”, disse ele em uma entrevista em novembro. A solução, na sua opinião, está nas Forças Armadas divididas.
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“Eles devem conseguir neutralizar os cubanos, neutralizar as milícias e, ao fazer isso, colocar Maduro em posição para lhe dizer: ‘Olhe, Maduro, está na hora de você deixar o país’, e então chamar Guaidó para iniciar o processo” de transição, disse ele.
“Acho que os militares estão lentamente tentando consertar as coisas, minha opinião é que eles não têm capacidade operacional, e até o planejamento certo para fazer isso neste momento.” Mourão certa vez disse que o Brasil poderia participar de uma missão de paz na Venezuela se o tumulto civil se agravar. Autoridades graduadas do governo Bolsonaro lideraram missões de paz no Haiti e na República Democrática do Congo, e o general Mourão atuou em Angola.
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Mourão preside grupos de trabalho do Brasil sobre a China e a Rússia, e deverá viajar aos dois países neste ano, onde, segundo pessoas próximas ao governo, poderá tentar convencê-los a abandonar Maduro. Moscou e Pequim, que juntas emprestaram a Caracas bilhões de dólares nos últimos anos, se recusaram a reconhecer Guaidó como presidente e continuam sendo os dois principais apoios de Maduro, juntamente com a Turquia.
O general Mourão é membro da facção pragmática que divide o poder com tecnocratas e ideólogos no governo brasileiro. Ele muitas vezes contradisse os filhos impetuosos de Bolsonaro e também Ernesto Araújo, o ministro das Relações Exteriores, que quer uma posição mais dura contra a Venezuela em vez da abordagem mais pragmática apoiada pelo vice-presidente. Araújo, que deverá acompanhar seu chefe durante a visita aos Estados Unidos para se encontrar com o presidente Donald Trump na próxima semana, escreveu recentemente que foram “as iniciativas de Brasília que mudaram o jogo”, levando Washington a pressionar Caracas, e não o contrário.
O general Mourão atenuou os comentários arrogantes de Araújo como uma “questão de perspectiva”, explicando que foi um “esforço conjunto”. Para Mourão, a oposição unida ao regime Maduro começou há menos de dois anos, com o Grupo de Lima, uma reunião de países do hemisfério ocidental que liderou a oposição ao governo de Caracas. Depois veio a eleição do presidente de extrema-direita no Brasil no ano passado, “o que aumentou a pressão” para Maduro renunciar, e a ascensão da “figura de Guaidó, que não estava no quadro antes”.